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Para além dos sete mares,
na casa do ouro e diamantes,
Meu DNA foi inscrito
em espirais circulares
do povo Bantu e dos iorubás
colonizadores, trovadores,
de expedicionários bandeirantes,
cobradores de impostos e cientistas da terra do nunca;
E por fim,
Dos povos originários itinerantes nas matas do norte de Minas Gerais.
Sintetizada em grandes batalhas, o corpo do mundo,
no meu corpo.
Entre os compassos e ritmos
dorindondim,
gema geme, ioro, iaure ...
martelos, potes e panelas,
vozes de Vissungos,
Entrelaçados aos Forros e Ave Marias.
Antigas alianças e conformidades,
frequências que curam os fragmentos do meus esquecimento
acesos no corpo, vivos e em atividade.
Por muito tempo, a memória oprimida,
Reivindicou-se em dissonâncias, pela busca do seu tom,
Entremeios aos zumbidos e buzinas da cidade
De um grande belo horizonte onde nasci.
Na maternidade já choravam os quilombos,
Os porões, e ribeirinhas nas canções do esquecimento.
ladainhas e procissões.
Sou filha mais nova de tres irmas,
Vim de família católica com mães de muitos filhos,
Fogões de lenha e tacho de cobre,
Cozinheiras, costureiras,
mineiros, e posseiros, motorista
Da nova classe trabalhadora.
No quintal,
A panela ferve com o sangue
As sobras, os ossos,
intestinos, vísceras e úteros.
O banquete é servido;
Em uma festa
Atentos, contando pedras e tentos,
Na mesa, o triunfo das lamentações,
Truco, 6, ladrao!
Mais um gole pra esquecer o dia de hoje.
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Emancipaçao
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Durante estes últimos duzentos anos,
A cabocla ou cafuza
aprenderam a esticar os
os cabelos frisados com escova e laquê,
E embalsamar a pele amarelada, em pó e base importados.
Unhas compridas e bem feitas,
mãos de cetim que não foram feitas para tocar a terra.
Stiletto alto e com multiplicidade de cores,
Combina com a bolsa,
E suportam o olhar altivo e os documentos!
No Brasil dos anos 80 e 90,
a emancipação da mulher é vestida com ombreiras
e corretivo para as olheiras.
ou passarelas,
sempre avançado ao ver as vitrines,
nas tendências europeias e americanas.
Na couraça do concreto,
A barbie amarela desfila,
avante,
Nao olhe pra trás garota,
Corra do ócio.
Os trejeitos,
passado de mãe para filha
cobrem a culpa e
as vergonhas
as vaidades,
as peles pardas, híbridas,
Mestiças.
As místicas, selvagens e cósmicas ficam espremidas
na meia taça.
Cintas comprimindo insaciáveis desejos
dos úteros desencantados.
E na estreita jarra,
elas costumam florescer com
fragmentos do esquecimento.
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Cortantes rodovias costuram a terra,
Nas vias úteis, se chega onde se quer ir,
Não bobeie na encruzilhada,
sonhar pode ser fatal.
Voltar atrás não é possível.
O sinal fechou,
Acende a luz,
Feche o insight,
Faca o retorno.
Em casa,
A água pinga e transborda no chão.
A cama virou ilha,
As calotas polares chegaram em baixo da sua geladeira,
pelos buracos das fechaduras, embaixo das portas, entre rachaduras,
o verde brota nas frestas abandonadas.
Chegou a hora,
Escave os garimpos do eldorado embaixo de seus pes.
Deixe que a água limpa corrente
leve a matéria bruta.
Se encontrar mais pepitas luminosas,
e talvez diamantes,
Veja bem como refletem em você criatura,
O criador.
Lapidadas em algoritmos
A causa.
A cura.
A raiz.
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Quais os ritmos que andam os seus passos?
Ouça! Ouça outra vez mais a fundo e chegue ao condutor.
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Dos que pavimentaram os caminhos,
Ouço o canto das ladainhas até o amanhecer.
As lágrimas lavando os covis da terra,
Semeamos sementes nos campos de esperança,
um Shangrilá da nova terra
herdada pelos mansos,
atentos aos ritmos.
Descanso,
no ocio
mas persevero.
Assisto com olhar de criança,
o crescer pelas frestas.
Lavo as mãos com o gelo derramado,
Entoo uma canção no balanço das ondas que me cercam,
Danço uma valsa nos salões da re-evolução,
Nas planícies, observo
Encontro um abrigo,
Um portal para um Rito de passagem.
Nos filamentos da memoria
reuni os mil pedaços,
que nunca antes foram separados.
Acendi uma vela,
Aspirei a vida como a própria chama.
soprei nos ossos como a melodia da flauta,
Desperta
Ouco a voz de um novo tempo.
Na velha terra,
Lembrei na hora certa,
Antes do nascer do sol.
K Sea Ya, março de 2020
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Uma gota garota,
em águas primordiais,
Submerge e transborda sem bordas,
em azul infinito e frio.
Atrás do espelho d'água,
paisagem arcaicas,
destroços de memórias
de natureza feroz.
Sem extremidades nas mãos
Sem solas dos pes,
Sem linhas de contenção,
A gota
avanca em moncoes
sentidas e dissolvidas,
Sensações
percebidas em quietude.
Descansa nos leitos de areia
Danca com a marés,
E com o canto das baleias,
respira.
Na luz do outro dia,
Sobe como bolhas,
Gota Garota
E com as nuvens,
volte sempre.
K Sea Ya
Mill Valley, julho de 2019
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Lágrimas de Yemanja
Será uma parte de mim
ou um pedaço tirado?
Separado, alienado, desconectado
Uma forma
Contida, redonda
Dentro
Liquido vivo, viscoso
Salinado!
Na superfície,
espelho,
etéreo véu
cristal fluido.
Seria o eu, o próprio vaso,
ou o gosto
O cheiro, o toque?
Ou as duas coisas?
A noite chegou, sem sono
acordei,
em sonho.
Corpos em pedaços
Braços que puderam ter sido asas
Pés sem crescer raízes
Corações paralisados.
Cabeças ocas, corpos vazios.
Moringas em multidão.
Umas com flores,
outras não.
Algumas com mel,
Outras não.
Outras vazias e sem razão,
Tinha até escorpião.
Dai joguei, abri, quebrei,
Jorrei água salgada
Que encheu moringa.
A Água que flor não cresce.
O dia chegou, o sol nasceu,
A luz toca o vaso ...
Água de choro esquenta
inspira, agita, contorce
Separa ao vento
Ascende
A nuvem densa,
dança
Expira, chora
Descende,
Sem retornar uma moringa.
Mas lá deixou sua filha,
crescida sob olhar do pai:
Cristalina fina Flor de Sal.
O retorno a sua morada
Ó doar, ó amar,
A mãe e o mar
Lágrimas salgadas de Yemanjá.
K Sea Ya
Salvador, janeiro de 2017